quinta-feira, 28 de maio de 2009

Encontro do dia 29 de maio de 2009 (A sílaba Oṁ na Amṛtabindūpaniṣad)

Nas Upaniṣad-s estão expostos muitos ensinamentos práticos que podem ser alcançados pelas vias da perseverança e da simplicidade. Essa simplicidade nem sempre se mostra no primeiro contato, no qual estranhamos a terminologia que ali está expressa e procuramos nos aproximar racionalmente de seus conceitos. Nesse caso, estamos, na verdade, nos distanciando do ensinamento proposto. Com perseverança, porém, podemos procurar em nossa própria constituição humana os temas tratados nessas obras e constataremos, por meio do exercício sincero da meditação, o quanto os conceitos nelas ensinados são válidos em nossa realidade existencial. Isso quer dizer que o contato não-racional não implica adesão cega ou confiança incondicional num sistema proposto pelos sábios de antigamente, mas uma postura de envolvimento que procura experimentar ao invés de julgar. Assim como a realidade vivenciada nos sonhos - que, não esqueçamos, faz parte do nosso próprio ser - não pode ser modelada segundo as receitas da lógica tradicional, muitas das experiências que nossa consciência tem o poder de proporcionar pertencem a uma outra esfera de acontecimentos, incomensuravelmente criativa e imprevisível. As obras sânscritas conhecidas como Upaniṣad exercem um papel estimulante nessa direção, atuando como um instrumento para o desenvolvimento de experiências dessa ordem, consistindo em escrituras iniciáticas que atuam como uma espécie de guia para os nossos percursos em meio às áreas inexploradas de nosso ser.
Recorreremos à Upaniṣad conhecida como Amṛta-bindu para explorarmos alguns dos mapas que podem nos orientar nessa jornada.
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Amṛtabindūpaniṣat ||


mano hi dvividhaṁ proktaṁ śuddhaṁ cāśuddham eva ca | aśuddhaṁ kāmasamkalpaṁ śuddhaṁ kāmavivarjitam ||1|| mana eva manuṣyāṇāṁ kāraṇaṁ bandhamokṣayoḥ | bandhāya viṣayāsaktaṁ muktyai nirviṣayaṁ smṛtam ||2|| yato nirviṣayasyāsya manaso muktir iṣyate | tasmān nirviṣayaṁ nityaṁ manaḥ kāryaṁ mumukṣuṇā ||3|| nirastaviṣayāsaṁgaṁ samniruddhaṁ mano hṛdi | yadā yāty unmanībhāvaṁ tadā tat paramaṁ padam ||4|| tāvad eva niroddhavyaṁ yāvaddhṛdi gataṁ kṣayam | etaj jñānaṁ ca mokṣaṁ ca ato 'nyo granthavistaraḥ ||5|| naiva cintyaṁ na cācintyam acintyaṁ cintyam eva ca | pakṣapātavinirmuktaṁ brahma sampadyate tadā ||6|| svareṇa saṁdhayed yogam asvaraṁ bhāvayet param | asvareṇa hi bhāvena bhāvo nābhāva iṣyate ||7|| tad eva niṣkalaṁ brahma nirvikalpaṁ niranjanam | tad brahmāham iti jñātvā brahma sampadyate dhruvam ||8||
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Iniciação na Semente da Eternidade

A mente, explicam, é biforme: ou é pura ou então é impura;
ditada por desejos é a impura; livre dos desejos é a pura. (01)
Ensinam que a mente é instrumento de prisão ou de libertação;
a submissa aos objetos aprisiona, a insubmissa liberta. (02)
Sendo a libertação favorecida pela mente insubmissa aos objetos,
insubmissa aos objetos deve ser a mente do aspirante à libertação. (03)
Isenta do jugo dos objetos, a mente é refreada no coração
e então atinge o estado não mental, que é a esfera suprema. (04)
Deve mesmo ser refreada de modo a ser dissipada no coração;
é isso a gnose e a libertação e todo o resto é noção livresca. (05)
Não é concebível nem inconcebível, é inconcebível e concebível;
o absoluto, então realizado, não é apreendido por parcializações. (06)
O método é principiar com o som e realizar o não-som a seguir,
pois o ser, não o não-ser, é obtido por meio do estado de não-som. (07)
O absoluto é indiviso, inabalado, inemotivo; “eu sou o absoluto”,
aquele que tiver ciência disso assimila o absoluto para sempre. (08)

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Encontro do dia 22 de maio de 2009 (dhāraṇā)

A dhāraṇā, palavra comumente traduzida como "concentração" mas que aqui traduzo como "atenção", é uma prática permanente em toda tradição do yoga, seja qual for a vertente. Pode e deve ser praticada fora dos contextos das aulas de yoga. Suas técnicas são muitas e variam na intensidade e duração, conforme o aprendizado e a experiência do adepto, mas o importante é que, por ser tão abrangente, consiste numa técnica acessível a qualquer pessoa. 

O texto abaixo contém o sūtra de Patañjali que apresenta a dhāraṇā, seguido do comentário de Vyāsa, seguido, por sua vez, pelo comentário de Vijñānabhikṣu. A partir dessa tríplice exposição do tema, feita por autores que não se encontraram por terem vivido séculos de distância uns dos outros, é possível estudarmos e adentrarmos no conceito e na prática da "atenção" - virtude sem a qual não existe progresso no yoga. 

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Vibhūtipādam

uktāni pañcabahiraṅgāṇi sādhānāni | dhāraṇā vaktavyā ||

deśabandhaś cittasya dhāraṇā ||1||

nābhicakre hṛdayapuṇḍarīke mūrdhni jyotiṣi nāsikāgre jihvāgre ity evam ādiṣu deśeṣu bāhye vā viṣaye cittasya vṛttimātreṇa bandha iti dhāraṇā ||

(...) deśabandhaś cittasya dhāraṇā | yatra deśe dhyeyaṁ cintanīyaṁ tatra dhyānadhāradeśaviṣaye cittasya sthāpanaṁ tadaikāgryaṁ dhāraṇety arthaḥ | tad etadbahyacaṣṭe – nābhīti | mūrdhni mūrdhasthe jyotiṣi | ādiśabdena gāruḍādyuktadeśāntarāṇi grahyāṇi | yathā gāruḍe – 

prāṇnābhyāṁ hṛdaye vā’tha tṛtīye ca tathorasi | 
kaṇṭhe mukhe nāsikā’gre netra bhrūmadhyamūrddhasu ||
kiṁcit tasmāt parasmiṁś ca dhāraṇā daśakīrttitāḥ |
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Livro do desenvolvimento

Foram explicadas as cinco práticas (que consistem) nas partes externas (do yoga). A atenção será descrita:

A atenção é a fixação da consciência em um meio. (1)

A atenção é a fixação da consciência, com o uso pleno de seus movimentos [vṛtti], no círculo [cakra] do umbigo, no lótus do coração, na luminosidade da cabeça, na ponta do nariz, na ponta da língua, entre outros meios, no âmbito externo.

(...) “A atenção é a fixação da consciência num meio”. A atenção é a permanência, com unidade de foco, da consciência sobre um meio de sustentação da meditação, no qual se medite e se faça consciente. Isto é, nos meio externos mencionados, como o umbigo. “Na cabeça” é na luminosidade situada na cabeça. Com a expressão “entre outros” [ādiṣu] afirma-se “nos demais meios” a serem apreendidos, conforme está dito em textos como o Garuḍa. Eis o Garuḍa (Purāṇa):

“De início, no umbigo e, depois, no coração,
em terceiro lugar, no peito.
Na garganta, na boca, na ponta do nariz, nos olhos,
no meio das sobrancelhas e na cabeça.

E em um lugar que está além dela.
A atenção é assim descrita como décupla.”

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Encontro do dia 15 de maio de 2009 (īśvara e praṇava oṁ)

O estudo desses dois sūtras de Patañjali propicia o aprimoramento de uma das práticas mais célebres do Yoga, que é a recitação de mantras. Nesse caso, a recitação específica do mantra conhecido como praṇava, que é a sílaba oṁ. Patañjali sugere a prática de recitação como forma de alcançar o supremo (īśvara), que, por sua vez, permite o yogin ser conduzido ao estado de consciência integrada (samādhi). Sobre a sugestão de Patañjali, Vyāsa explica a relação de inerência entre a sílaba oṁ e o supremo, com uma belíssima metáfora: "o som está para o supremo assim como a claridade está para a luz".
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Samādhipādam
tasya vācakaḥ praṇavaḥ ||27||

vācya īśvaraḥ praṇavasya | kim asya saṁketakṛtaṁ vācyavācakatvam atha pradīpaprakāśavad avasthitam iti ? sthito’sya vācyasya vācakena saha saṁbandhaḥ | (...)
tajjapas tadarthabhāvanam ||28||

praṇavasya japaḥ praṇavābhidheyasya ceśvarasya bhāvanam | tadasya yoginaḥ praṇavaṁ japataḥ praṇavārthaṁ ca bhāvayataś cittam ekāgraṁ saṁpadyate | tathā coktam |
svādhyāyād yogam āsīta yogāt svādhyāyam āsate |
svādhyāyayogasaṁpattyā paramātmā prakāśate | iti ||


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Livro da Integração

A designação dele (īśvara) é o praṇava (oṁ). (27)

O supremo (īśvara) é designado pelo praṇava. A relação entre o designado e a designação é convencional ou é inerente, como entre a luz e a claridade? A relação do designado com a designação é inerente.
[Deve-se realizar] a sua recitação e meditação em seu sentido. (28)
A recitação do praṇava e a meditação no īśvara, que é expresso pelo praṇava[devem ser realizadas]. Quando o yogin está recitando o praṇava e meditando no sentido do praṇava, sua mente se torna focalizada (ekāgra). Assim se diz:
Depois da recitação (svādhyāya), que se faça meditação (yoga),
depois da meditação (yoga), que se faça a recitação (svādhyāya).
Por meio da plena realização da recitação e da meditação,
o eu supremo (paramātman) resplandecerá.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Encontro do dia 8 de maio de 2009 (samādhi)

Os sūtra-s escolhidos para este encontro são a definição "clássica" do yoga, que o descreve como um método e como um estado existencial. Estado existencial e não simplesmente estado de consciência ou estado mental. Busca-se, por meio da modificação do estado natural da mente, um objetivo que está além dela. Por isso, que yoga é método e condição.
Um dos conceitos mais fundamentais de todo o sistema filosófico e meta-psicológico do yoga está presente no sūtra 3 do Yoga-sūtra, em que ele fala do "observador" (draṣṭṛ). O draṣṭṛ equivale ao puruṣa, isto é, ao ser mais pleno, essencial e profundo de cada indivíduo humano. Propiciar a presença desse observador é uma atividade que pode ser realizada sob qualquer circunstância, não necessariamente pelos procedimentos que o senso comum entende como prática de yoga ou meditação. 
A partir desse conjunto de sūtra-s é possível extrair um conjunto de práticas meditativas e posturas internas.
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Samādhipādam 

atha yogānuśāsanam ||1||


atha iti ayam adhikārārthaḥ | yogānuśāsanaṁ śāstram adhikṛtaṁ veditavyam | yogaḥ samādhiḥ sa ca sārvabhaumaḥ cittasya dharmaḥ | kṣiptaṁ mūḍhaṁ vikṣiptam ekāgraṁ iti cittabhūmayaḥ | tatra vikṣipte cetasi vikṣipopasarjanībhūtaḥ samādhir na yogapakṣe vartate | yas tu ekāgre cetasi sadbhūtam arthaṁ pradyotayati, kṣiṇoti ca kleśān, karmabandhāni ślathayati, nirodham abhimukhaṁ karoti | sa samprajñāto yoga iti ākhyātate | sa ca vitarkānugato vicārānugata ānandānugato ‘smitānugata iti upariṣṭān nivedayiṣyāmaḥ | sarvavṛttinirodhe tu asamprajñātaḥ samādhiḥ ||1||

tasya lakṣaṇābhidhitsayā idaṁ sūtraṁ pravavṛte |

yogaś cittavṛttinirodhaḥ ||2||

(...)

tadā draṣṭuḥ svarūpe ‘vasthānam ||3||

(...)

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Livro da Integração

Eis o ensinamento do yoga. (1)

A palavra “eis” (atha) significa “início”. Deve-se entender que uma escritura com o ensinamento do yoga foi iniciada. Yoga é integração e esta é uma virtude da consciência em todos os seus estados. Agitado, letárgico, distraído, centrado são os estados da consciência. Na mente agitada, a integração, sendo um estado subordinado às agitações, não se desenvolve sobre o yoga. Denomina-se yoga da percepção plena a que ilumina um objeto segundo sua real natureza, enfraquece as perturbações, afrouxa a prisão do carma e dá início à “interrupção”. Junto a isso, deve-se saber que ele é acompanhado pela reflexão, pela discriminação, pelo gozo e pela presença de si. Mas com a interrupção de todos os movimentos, ocorre a integração além da percepção plena.

Com o objetivo de defini-lo (o yoga) segue o aforismo:


Yoga é a interrupção dos movimentos da consciência. (2)

(...)

 Com isso, o observador (obtém) estabilidade em sua própria forma. (3)

(...)