sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Encontro do dia 28 de agosto de 2009 (guṇa e ahaṁkāra)

Uma teoria do conhecimento tem a finalidade de produzir um método de observação de nossa própria capacidade de observação. Discute-se quais são os limites possíveis do conhecimento humano. A consciência limitada pela individualidade teria capacidade para conceber o absoluto? A filosofia do sāṁkhya propõe um caminho metódico para que se organize todas as formas pelas quais a totalidade da existência se manifesta. Nessa forma de agrupamento, as realidades do sujeito que apreende e a realidade dos objetos que são apreendidos são entendidas como manifestações simétricas, como formas espelhadas que foram desencadeadas por um mesmo processo. Enquanto teoria do conhecimento, o sāṁkhya entende que a mente - o aparelho cognitivo convencional - é incapaz de apreender integralmente a dinâmica da existência do cosmo do qual faz parte, pois compartilha da mesma substância - ainda que em intensidade diferente - dos elementos pertencentes ao que chamamos de mundo material (nesse sentido, é que surge o pressuposto do yoga de que é necessário desvencilhar-se da mente ordinária para que algo a mais se manifeste). Vejamos, na passagem a seguir, uma descrição das três categorias (guṇa) que modulam cada uma das formas que permitem que as individualidades subjetivas se relacionem com as formas objetivas.
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O Ensinamento de Kapila  (Kapilopadeśa 2.24-31)
A partir do elemento mahat, originado no vigor do Venerável, o ahaṁkāra – como uma potência de ação (kriyāśakti) – desdobrou-se triplamente: como vaikārika (mutável), como taijasa (ardente) e como tāmasa (obscuro), que são origem do manas (mente), dos indriya (comandos/sentidos) e dos mahābhūta (elementos grandes). Ele é conhecido como Saṁkarṣaṇa, ou puruṣa composto pela mente, sentidos e elementos, considerado o infinito (ananta), que é presenciado com mil cabeças. A qualificação do ahaṁkṛti é a agência (kartṛtva), a instrumentalidade (karaṇatva) e a objetividade (kāryatva), ou as qualidades de ser pacífico (śānta), terrível (ghora) e insensível (vimūḍha). Do vaikārika, quando este se desdobra, o elemento manas foi gerado, do qual se origina o estado de desejo, a partir do vikalpa (concepção fragmentária) e do saṁkalpa (concepção integral). Ele [manas] é conhecido como Aniruddha (indomável) e, lembrando um lótus escuro outonal, é pouco-a-pouco apaziguado pelos yogues. Do taijasa, quando este se desdobra, o elemento buddhi surgiu, como um reconhecimento para aparição das coisas, isto é, uma ajuda para os sentidos, ó virtuosa! “A dúvida, o engano, a convicção, a memória, o sono” são considerados como qualificação da buddhi, de acordo com suas funções. Os sentidos taijasa são distribuídos como ação (kriya) e concepção (jñāna), a potência da ação é a do prāṇa e a potência do reconhecimento é a da buddhi.

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vaikārikas taijasaś ca tāmasaś ca yato bhavaḥ |

manasaś cendriyāṇāṃ ca bhūtānāṃ mahatām api ||24|
sahasraśirasaṃ sākṣād yam anantaṃ pracakṣate |
saṅkarṣaṇākhyaṃ puruṣaṃ bhūtendriyamanomayam ||25||
kartṛtvaṃ karaṇatvaṃ ca kāryatvaṃ ceti lakṣaṇam |
śāntaghoravimūḍhatvam iti vā syād ahaṅkṛteḥ ||26||
vaikārikād vikurvāṇān manastattvam ajāyata |
yatsaṅkalpavikalpābhyāṃ vartate kāmasambhavaḥ ||27||
yad vidur hy aniruddhākhyaṃ hṛṣīkāṇām adhīśvaram |
śāradendīvaraśyāmaṃ saṃrādhyaṃ yogibhiḥ śanaiḥ ||28||
taijasāt tu vikurvāṇād buddhitattvam abhūt sati |
dravyasphuraṇavijñānam indriyāṇām anugrahaḥ ||29||
saṃśayo 'tha viparyāso niścayaḥ smṛtir eva ca |
svāpa ity ucyate buddher lakṣaṇaṃ vṛttitaḥ pṛthak ||30||
taijasānīndriyāṇy eva kriyājñānavibhāgaśaḥ |
prāṇasya hi kriyāśaktir buddher vijñānaśaktitā ||31||

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Encontro do dia 14 de agosto de 2009 (prakṛti, kāla)

Continuando o Ensinamento de Kapila, o trecho seguinte expõe a cosmologia do ponto de vista da Prakṛti.

Obs.: nessa descrição, o tempo ocupará um papel especial no questionamento acerca da existência humana. Será ele uma cirscunstância da materialidade ou será o tempo um atributo da consciência? O ensinamento de Kapila expõe que existem aqueles que dizem que o tempo é um desdobramento da materialidade e há aqueles que o concebem como a potência do divino que é responsável pelo processo que deu início a toda a criação do cosmo. A afirmação conclusiva é que o tempo é a expressão do divino nas criaturas: o divino manifesta-se internamente como consciência e externamente como o tempo. Entenda-se aí o tempo como aquele que promove a mutabilidade das formas, a transformação, o nascimento, a morte, o nascimento, a transformação, etc.

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Kapilopadeśaḥ (2.9-14)
devahūtir uvāca | prakṛter puruṣasyāpi lakṣaṇaṁ puruṣottama | brūhi kāraṇayor asya sadasac ca yadātmakam ||9|| 
śrībhagavān uvāca | yattriguṇam avyaktaṁ nityaṁ sadasad ātmakam | pradhānaṁ prakṛtiṁ prāhur aviśeṣaṁ viśeṣavat ||10|| pañcabhiḥ pañcabhiḥ brahma caturbhir daśabhis tathā | etac caturviṁśatikaṁ gaṇaṁ prādhānikaṁ viduḥ ||11|| mahābhūtāni pañcaiva bhūr āpo ‘gnir marun nabhaḥ | tanmātrāṇi ca tāvanti gandhādīni matāni me ||12|| indriyāṇi daśa śrotraṁ tvakdṛgrasanāsikāḥ | vāk karau caraṇau meḍhraṁ pāyur daśama ucyate ||13|| mano buddhir ahaṁkāraś cittam ity antarātmakam | caturdhā lakṣyate bhedo vṛttyā lakṣaṇarūpayā ||14||  etāvān eva saṁkhyāto brahmaṇaḥ saguṇasya ha | saṁniveśo mayā prokto yaḥ kālaḥ pañcaviṁśakaḥ ||15|| prabhāvaṁ pauruṣaṁ prāhuḥ kālam eke yato bhayam | ahaṁkāravimuḍhasya kartuḥ prakṛtim īyuṣaḥ ||16|| prakṛter guṇasāmyasya nirviśeṣasya mānavi | ceṣṭā yataḥ sa bhagavān kāla ity upalakṣitaḥ ||17|| antaḥ puruṣarūpeṇa kālarūpeṇa yo bahiḥ | samanvetyeṣa sattvānāṁ bhagavān ātmamāyayā ||18||
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O Ensinamento de Kapila

Devahūti disse:
Ó, Grande Ser (puruṣottama), fale sobre a constituição da prakṛti e também do puruṣa, sobre sua causa, sobre fenômeno, não-fenômeno e essência. 
O Venerável disse:
A tríade gunádica (triguṇa) imanifesta, eterna, é fenômeno, não-fenômeno e essência, considerada como pradhāna. A prakṛti é a não diferenciação como que diferenciada. Considera-se o pradhāna, ou brahman, como um conjunto de vinte e quatro partes, composto com cinco, cinco, quatro e dez. Os mahābhūta são cinco, terra, água, fogo, ar e éter. Os tanmātra têm igual número, concebidos por mim como aroma, etc. (rasa, rūpa, tvac, śabda). Os indriya são dez: audição, tato, visão, paladar, olfato, voz, mãos, pés, pênis e ânus. Mente, intelecto, individualidade e consciência (manas, buddhi, ahaṁkāra e citta) são o antarātman, cuja divisão em quatro é percebida como forma de descrição de suas funções.  Esse é o cômputo de brahman com atributos (saguṇa). Eu considero o tempo (kāla) como o vigésimo quinto aspecto. Alguns consideram o tempo (kāla) como um poder relacionado ao puruṣa, de onde provém o medo dos agentes iludidos pela individualidade e identificados com a prakṛti. O tempo (kāla) é descrito como o Venerável, do qual provém a ação sobre o equilíbrio dos atributos (guṇa) da prakṛti não diferenciada, ó humana. O Venerável, pela potência construtiva (māyā) de si próprio, é aquele que se conecta ao interior de todos os seres sob a forma do puruña e ao exterior, sob a forma do tempo (kāla).